terça-feira, 30 de junho de 2009

"Os melros cantores de Pardilhó"


" A aldeia, encostada à Ria de Aveiro, tem uma boa mancheia de habitantes dependendo da terra ou das fábricas próximas, meia dúzia de cafés vulgares, uma estação dos Correios, uma cabine telefónica, uma agência bancária, dois carros de praça e um largo ajardinado com um quiosque e uma estátua. Já houve calafates, hoje resta um em actividade; o próprio sindicato da classe fechou. Às três da tarde de todos os Verões os senhores cansados dormem a sesta.(...)
Sempre que regresso numa data qualquer do mês de Agosto, o meu primeiro cuidado é arrumar os livros no escritório do falecido senhor meu sogro, ir ao bazar por papel e canetas de feltro, e esperar a manhã inaugural das férias com uma impaciência feita de sobressaltos e alta voltagem arterial. Na manhã seguinte eles lá estão, os melros, aquecendo a gorja para me saudarem. Primos irmãos, não escondem o afecto nem eu lhes perdoaria tal. Houve um que vinha cantar-me no rebordo do grande alpendre, fiado no professor francês: «E para começar, música!»
Se era lição aprendi-a porém mal, pois cada vez mais a dissonância vem tomando conta da minha poesia, ao ponto de poder ser confundida com prosa baça. Pouca vigilância, talento disperso: uma explica o outro, e vão vividos os anos suficientes para eu não mudar um mícron que seja. Agora espero a velhice e dentro dela a morte surda."
Fernando Assis Pacheco

1 comentário:

Anónimo disse...

O teu pai não gostava do Fernando. Por causa do Walt (efectivamente mauzinho) mas ofereci-lhe 2 livros de poesia e "obriguei-o" a ler Respiracção Assistida e Variações em Sousa, salvo erro. E o teu pai deu a mão à palmatória. No primeiro vem um soneto ao pai que já li dezenas de vêzes; no outro um dos mais belos poemas de amor que li, o que fala do som da bicicleta... Lê bem, lembra-te dos cães e volta ao princípio.