" Sim, sim, é verdade: há muitos anos que o meu antigo cunhado Eugénio foi comigo à pesca e viu como eu apanhava enguias à fisga (às cegas). Há quanto tempo te não vejo, rapaz! Vai daqui um abraço. Depois levei uma data de vêzes o teu filho, e meu sobrinho, Francisco com quem tive tardes inolvidáveis. Numa delas estavamos ao tim-tim entre a Torreira e a pousada e nesse dia a ria estava infestada de novos-ricos com lanchas potentes que não respeitavam nada nem ninguém. Passavam a duzentos à hora apesar de se ver a léguas o meu barco com uma criança dentro. Outros, também com motores avantajados, andavam para baixo e para cima ao corrico e com o mesmo comportamento. O meu barco, coitado, bailava que tinha o diabo e, eu ali com o miúdo, depressa me enfadei e comecei a tratar aquela malta pelos nomes próprios, à moda da minha terra, como se os conhecesse há muito: " cabrão" " seus filhos da puta"... Lá iamos tirando o nosso robalito e aguentando até que surge uma lancha em alta velocidade com um casal já idoso que, talvez por notarem a criança, abrandaram e passaram por nós em velocidade muito reduzida. Fiz-lhes um gesto (de agradecimento) mas não lhes disse nada, silêncio esse que o miúdo estranhou e o levou a esganiçar : " Seus filhos da puta" ...
Adiante. À Sra. D. Ana Maria Lopes, que não tenho o prazer de conhecer, um bem haja antecipado por estar a fazer um trabalho sobre o mestre Arnaldo. Penso que pouquinho mas poderei dar uma ajuda. Quando tiver o trabalho feito, p.f. dê-me notícias. O Dr. Alvaro Garrido ou aqui o Marco localizam-me em segundos.
Finalmente o também meu antigo cunhado e amigo de sempre João Fernando Veiga. Um abraço amigo também. Aqui vai o Esganagatos a navegar, numa brincadeira, no rio Antuã. Eu estou sentado na proa e o que tenho na mão é um galricho cheio.....de carapaus. Foi feito pelo meu sogro, José Neto, em tola e contraplacado marítimo. Tenho outro, também feito por ele e com os mesmos materiais mas muito maior, esse sim já próprio para andar pela ria larga. Comprei-o ao meu cunhado Manel que se queria desfazer dele e agora são ambos inegociáveis. Meu sogro fez maravilhas em e com a madeira (veja-se o tecto da igreja de S.Tiago, Estarreja) mas não era carpinteiro naval. Era um grande apaixonado da pesca das enguias e naturalmente o livro que escrevi sobre as enguias dediquei-lho e não prescindi dele na urdidura. Um dia ( ai há quantos anos!) fomos caçar rolas para a mata de S.Jacinto nos limites norte do que é hoje a reserva natural. Num telheiro estava um barquinho a que ele achou graça. Pegou-lhe e disse-me " Já viste como isto é leve? Qualquer pessoa sózinha o carrega e vai pescar em qualquer canto. Que jeitoso para ir ao candeio!". Tirou medidas e não tardou que tivesse feito uma réplica. Só que, metido à água, funcionava mal, emperrava. Modificou-o conforme a sua ideia e foi logo outra loiça. O producto acabado é isto que aqui está. Aos 70 e tal anos metia sem ajuda o barquinho na sua velha peugeot de caixa aberta e tanto ia pescar para Pardilhó como para Canelas ou Válega. E isto quase todos os dias. Como eu escrevi nesse tal meu livro, as minhocas do seu minhoqueiro eram muito saborosas e onde ele aparecia logo estragava o fieiro dos outros mesmo que já lá estivessem de véspera. Claro, isso era num tempo em que era possível fazer e registar a auto-construção. Agora as complicações são tantas que mais vale estar quieto. As novas leis são castradoras de tudo e de todos. Quem quizer fazer uma piroga deverá preferencialmente ir para a Amazónia. Se teimar em cá ficar, então terá que fazer barcos moliceiros, a motor e com retrete a bordo... Pronto. Já vos aborreci que chegasse e isto não é bem a minha àrea. Cá virei, de longe em longe, quando me aparecer alguma coisa com que possa ajudar o Marco a fazer singrar este seu interessante blog. Um abraço para todos."
Texto e fotografia- Sérgio Paulo Silva