terça-feira, 7 de abril de 2009

"Tigris"


"Jamais em mar algum, víramos tantos navios iluminados brilhantemente em movimento ao mesmo tempo como aconteceu à nossa volta no momento em que Detlef ordenou um desvio abrupto de 90 graus para estibordo e os timoneiros nos lançaram na faixa principal de tráfego do estreito de Ormuz. Recebemos imediatamente uma violenta corrente de ar pela retaguarda e fomos impelidos para um funil de vento entre dois cabos opostos do mesmo continente, uma espécie de estreito de Gibraltar asático. A corrente também se devia deslocar nessa altura como um rio que desembocasse no golfo. A nossa velocidade quando ultrapassámos a ponta da adaga árabe era a mais elevada que tínhamos experimentado até então a bordo de um barco de juncos, e as silhuetas negras das montanhas ao nosso lado alteravam-se de um momento para o outro.
Àquela marcha, o Tigris reagia à mínima pressão nas canas dos remos e deslizávamos velozmente entre os supernavios que se deslocavam em torno de nós, como se fôssemos todos da mesma espécie.
As coisas desenrolavam-se quase ridiculamente bem, e com os dois timoneiros e os dois navegadores de olhos bem abertos na ponte de comando, eu e o Carlo pudemos tirar uns minutos de folga antes de entrarmos de serviço. Costumava ser suficiente transpor a pequena porta da cabina, para nos imaginarmos numa cabana de selva longe do mar.
A atmosfera de canas e bambus era pouco marítima, mas muito repousante. Os ventos e as vagas foram deixados imediatamente ao cuidado dos que permaneciam na coberta. Ali dentro, existia uma zona neutra de paz e silêncio, ainda que as cristas das ondas espreitassem por entre a abertura de entrada quase ao alcance da mão. Quando me estendi na enxerga junto da porta, senti-me tão contente como um garoto que experimentava pela primeira vez o beliche perto da janela de um comboio nocturno, e coloquei-me de lado para ver os navios iluminados e montanhas obscuras desfilar como estações de caminhos-de-ferro nos Alpes.
Afastara-se a ameaça de naufrágio ou colisão e sigrávamos como numa via-férrea moderna."
Thor Heyerdhal in A Expedição do Tigris

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