Na minha terra , há uns quantos anos atrás, quem ía buscar os filmes era o Ernesto. Descia a Avenida em pose racing, na sua bicla , em vôo rasante, até se imobilizar no largo da Estação. Eu via-o passar, com a pala do boné ligeiramente atravessada, em grande aceleração, ao que se seguia uma paragem estratégica na tasca que ainda lá mora. No sentido inverso, Ernesto empurrando a bicla, em esforço homérico avenida acima. De tal forma eram conhecidos os seus esforços a transportar as fitas enlatadas, colina acina, ao lado da ginga, em penitência redentora, que era comum ouvir-se;"o filme é pesado?", e alguém respondia, "Tens que perguntar ao Ernesto...". Isto a propósito de um dos melhores que vi nos dois últimos anos.
sábado, 28 de março de 2009
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5 comentários:
Na altura dos Joy Division e da morte do Ian Curtis, havia uma dúzia de professoras do ensino primário, pouco mais velhas que ele, que diariamente iam de Aveiro, de comboio, até Canelas, Salreu, Estarreja e Avanca. Algumas deram aulas nas mesmas escolas quase vinte anos. Eu sou filha de uma delas. Se não tinha onde ficar em Aveiro, ía também. Quando parávamos em Estarreja para tratar de algum assunto na direcção escolar, ou decidiam ir lá passear, muitas vezes mal disse a dita Avenida, com a sua bela ladeira. Coitado do Ernesto.
Que deliciosa história, marco. São estas histórias do quotidiano dos pequenos lugares, estes movimentos pendulares de pessoas, que se cruzam em diferentes tempos, também as professoras no combóio, o Ernesto dos filmes, transportando muito mais que películas, (transportava o peso do cinema todo do mundo), avenida acima... são estas histórias dizia, que ao serem contadas constróiem outras e outras realidades, onde felizmente nos deslocamos procurando ainda entender a beleza toda que há no mundo. Afinal vale a pena... Lembrei mais uma vez o filme "cinema paraíso"
Boas Maffie,na altura dos Joy Division o cinema cá do burgo era dos poucos entretenimentos que havia. Tinha uma programação regular mas sem grande qualidade. Os grandes sucessos eram os "western spaghetti" do Trinitá e companhia, comédias italianas manhosas e por vezes algum filme melhor. Deu para criar algumas gerações de amantes da arte, que faziam do átrio do cinema ponto de encontro. Discutiam-se desempenhos, argumentos e realizações. Comparavam-se filmes,organizavam-se expedições a outros cinemas e quase invariávelmente dizia-se mal dos filmes agendados. Os melhores filmes, ou não vinham ou só vinham passados uns quantos anos. Este Ernesto, personagem castiça que parecia saído de uma quaquer película neo-realista, cumpria este ritual quase diáriamente. Pelo aspecto almolgado das latas em que eram transportados os filmes quase que dava para apostar o que nos iría esperar essa noite no cinema.
Boas Helder, se eu realizasse o meu "Cinema Paraíso", ele faria parte do argumento, sem dúvida.
Mesmo sendo de Estarreja não conheco o Ernesto, mas de certeza que iria gostar do filme.
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