"Ás vezes também saíamos no pequeno bote de borracha para ver que tal eramos à noite. De todos os lados erguiam-se os paredões negros das ondas, e miríades de cintilantes estrelas tropicais provocavam um frouxo reflexo dos plânctones na água. O mundo era simples: estrelas na escuridão. Se o ano em que estávamos era 1947 d.C. ou 1947 a.C tornava-se sùbitamente coisa sem importância. Estávamos vivos e sentíamo-lo em plena intensidade. Compreendíamos que a vida também fora cheia para os homens que existiram antes da técnica, mais cheia e até mais rica a muitos respeitos do que a vida do homem moderno. O tempo e a evolução , de certo modo, cessavam de existir; tudo o que era real e tudo o que oferecia importância era o mesmo hoje que sempre tinha sido e que sempre seria; nós estávamos, engolidos pela medida comum absoluta da História, escuridão intérmina e ininterrupta sob um cardume de estrelas. Na nossa frente,nas trevas, a Kon-Tiki erguia-se de entre as vagas para de novo mergulhar por detrás de negras massas de água, que se elevavam como torreões entre ela e nós. À claridade do luar havia uma singular atmosfera em volta da jangada. Sólidos toros de pau franjados de algas, o negríssimo contorno quadrado de uma vela que fazia lembrar as dos velhos vikings, uma cerdosa choupana de bambu com a luz amarela de uma lâmpada de parafina na parte posterior - aquele conjunto trazia à mente antes a representação de um conto de fadas do que a pura realidade. De vez em quando, a jangada desaparecia, completamente oculta pelas ondas negras; depois tornava a levantar-se e recortava-se em silhueta, contra as estrelas, enquanto a água faiscante escorria dos trocos."
Thor Heyerdahl in A Expedição da Kon-Tiki
Sem comentários:
Enviar um comentário