quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"A Tourada do Mar"



"Uns homens têm na mão direita a ganchorra curta e afiada, presa ao pulso pela alça, e outros, armados de um bicheiro mais comprido, só esperam que o atum comece a saltar para o chegarem aos barcos. Agita-se a água...Vêem-se os grande dorsos reluzentes e os rabos que chapinham... Espetam o peixe. Para não caírem à água, deitam a mão esquerda à corda amarrada ao pau de entrevela, curvam-se e fisgam-nos pela cabeça. O peixe resiste e quer fugir: sentindo-se preso, ergue-se, apoiado na cauda e é esse movimento de recuo que ajuda o homem a metê-lo para dentro da caverna, largando logo da mão o bicheiro, que lhe fica suspenso do pulso pela alça. Baixa-se o homem, ergue-se logo...Os barcos estão cheios de peles luzidias e de manchas gordurosas de sangue. São bichos enormes e escorregadios, de grossa de pele azulada, que batem pancadas sobre pancadas com o rabo. A gritaria aumenta – Eh! Eh!... É uma mixórdia que me cansa. Só vejo manchas sobre manchas, sobrepostas, a cor e o movimento, a cor dos homens, a cor dos grandes peixes que se debatem e morrem e a agitação que se precipita e acelera os gestos confundidos. E sobre tudo isto um grito, um grito de triunfo, o grito de matança que explode numa alegria feroz, a alegria primitiva: - Eh! Eh!... num quadro imutável, todo vermelho e negro... Cheira a açougue. A água tinge-se de sangue, a água pegajosa encharca os barcos. Misturam-se as cores e as peles escorregadias... A carnificina enfarta e enjoa..."

Raúl Brandão in Os Pescadores

4 comentários:

Laurus nobilis disse...

O livro é fabuloso e, ainda por cima, conseguiu que as fotografias estejam à altura do escrito! O bom gosto continua!

almagrande disse...

Boas Laurus, ainda bem que gostou.

José Reis disse...

Gostaria de entrar em contacto consigo para partilhar algumas experiencias de vida na armação do atum da praia de faro. Tem messeger ?

almagrande disse...

Tenho, deixo-lhe aqui o meu mail.
almagrande@live.com.pt