segunda-feira, 16 de junho de 2008

"RIA"

"Laguna ou Ria o que dela primeiramente nos interessa é aquele mar de água e aquelas vistas. Não há aí coração que não arribe, que não trejubile ante aquela paisagem grande e multicolor, a agitação crescente de vida e mais vida. Eu tenho a paixão da Ria. Por vezes ela adormece à brisa, ela toda, a beijar-se de brisas, o moliço de belo verde a vertebrar na ondina, e aquelas ondinas de ria como olhos garços a brilharem de céu e luz, como fontinhas, abrindo-se para a carícia rude dos barcos e para me conduzirem a mim ciumento!..."
"Ontem dormi no meu barco. E, pela manhã, ainda mal a aurora incendiava cirros de primavera, para que fosse o sol e não a chuva a imperar seu dia e já uma sinfonia mansa partia dos charcos, batia fino pelos juncos, roncava nas docas, clamava com a sereia do porto, corria em vozes de gaivotas e ia pianar moderado, abatido, comprimindo-se lá para S.Jacinto, para a Torreira, e para o Furadouro, como se soubesse os meus extâses!...
A minha cama de proa cheirava a marisco.Novamente me deitei para ficar de olhos fechados, a escutar, a ouvir só!...Os ouvidos são mais ricos, mais inundados de vida e de beleza aos sons, quando os olhos se tapam, quando se apaga o cheiro das côres. Sinfonias da ria, nunca mais adormecerei e também nunca mais entreabro meus olhos, que não tenha em meus lábios, como em oração consolada, a expressão contente do amor que me deste. Tudo quanto eu amar, há-de ter a presença, o ensinamento, a moral de amor que a ria me deixou. Há-de ser simultaneamente violento e manso, fascinante e esquivo, cândido e misterioso; há-de ferir como golpe, como coisa que rasga e ao mesmo tempo, na própria dor há-de inebriar tal como um ópio, um vinho, uma doçura, um bálsamo!..."
"Ria ou laguna, como te chamam não importa; a mim o que interessa e a ti me captiva é a soma de quadros de vida, as imagens de beleza e virilidade sadia com que povoaste a minha inteligência, com que enriqueces a alma; a mim o que irresistivelmente me atrai é o teu peixe, o teu moliço, os teus mexilhões; é a estrada sem portagem nem barreiras que ofereces a todo o barco que te sulca as águas; é o lugar ao sol aberto a pobres e ricos, aberto a todos; e é o teu vento que espalha perfumes com sensação de fartura e asseio; como é a tua luz , a tua sedução, a tua beleza, essa arte que tens de agradar a todos os sentidos. A mim o que prende, Ria, é sentir-se a gente homem, plenamente homem, junto de ti!..."
in "Amor à Terra" -Dr. Joaquim Rodrigues da Silva

10 comentários:

joao madail veiga disse...

Como sabes eu conheci-o, era avô do meu filho.
Era capaz das maiores iras e das maiores sensibilidades. Morreu sem que o entendesse.

almagrande disse...

O livro foi-nos oferecido pelo Paulo, visita regular da nossa casa e que amigavelmente nos vai oferecendo os livros que vai publicando.

Madalena Lello disse...

Música, imagem, texto tudo integrado na perfeição.

Anónimo disse...

Fiquei sem palavras, em puro êxtase!

almagrande disse...

Obrigado Madalena, como já deve ter visto, o "SAIS de PRATA" já aqui tem um link.

Marieke disse...

"....Ria sonhadora e esquiva
Que o mar não sabe entender
É ele quem lhe dá vida
No mar ela vai morrer.
Morre o Sol lá no poente
Num adeus emocionante
Diz adeus chorando à gente
Beijando o mar soluçante....."
Parte de um poema do ilustre ilhavense prof.guilhermino ramalheira

almagrande disse...

Marieke,obrigado pela contribuição,não conhecia e gostei muito.

Anónimo disse...

Isto,(Blog),cada vez está melhor!
Obrigado.

almagrande disse...

Boas JC, obrigado pelo comentário estimulante.

Eugénio disse...

Também o conheci.... também era avô do meu filho....