quinta-feira, 8 de maio de 2008

"Ninguém aqui vem que não fique seduzido, e noutro país esta região seria um lugar de vilegiatura privilegiado. É um sítio para contemplativos e poetas: qualquer fio de água lhes chega e os encanta. É um sítio para sonhadores e para os que gostam de se aventurar sobre quatro tábuas, descobrindo motivos imprevistos. É-o para os que se apaixonam pelo mar profundo e para os medrosos que só se arriscam num palmo d'água - porque a ria é lago e mar ao mesmo tempo. Com meios muito simples, um saleiro e uma barraca tem-se uma casa para todo o verão. Pesca-se. Sonha-se. Toma-se banho. E esquece-se a vida prática e mesquinha. Dorme-se ao largo, deitando-se a fateixa ou abica-se o areal: um fuguaréu, uma vara, a caldeirada...
Começam a luzir no céu e na ria ao mesmo tempo miríades de estrelas. Vida livre dalguns dias, de que fica um resíduo de beleza que nunca mais se extingue.
É a ria também sítio para os que querem descobrir novas terras à prôa do seu barco e para os que amam a luz acima de todas as coisas. Eu por mim adoro-a.
É-me mais necessária que o pão. E é esse talvez o ponto da nossa terra onde ela atinge a beleza suprema. Na ria o ar tem nervos. A luz hesita e cisma e esta atmosfera comunica distinção aos homens e às mulheres e até às coisas, mais finas na claridade carinhosa, delicada e sensível que as rodeia. A luz aqui estremece antes de pousar..."
Do livro "Os Pescadores" de Raul Brandão

3 comentários:

Anónimo disse...

A melhor descrição da Ria de Aveiro!A refinada sencibilidade de Raul Brandão no seu melhor.

almagrande disse...

Boas jc,boa prosa sem dúvida.

Marieke disse...

Esta é a nossa "Ria"...sem tirar nem pôr.