"A Ria estende-se em canais, em esteiros, em valas, em fiozinhos de água, dividindo-se e subdividindo-se até ao capilar, entrando pela terra dentro, recortando-a e irrigando-a de água salgada, ou, pelo menos, salobra, e que se vai adocicando à medida que foge do mar e se estende, por aí fora, a servir de espelho a uma lavoura anfíbia que lança a semente ao chão e penteia o fundo lodoso das cales, que surriba terra até sentir os pés encharcados e pesca pimpões nas valas intercalares nos fugidios tempos de lazer.
Os longes de água são emoldurados por um debrum delgadinho - topo de planície rasa povoada de casa alapadas - e têm-se a sugestão de que a terra se envergonha e se humilha perante a imensidade da laguna, esfumando-se e diluindo-se no horizonte de encontro ao perfil violeta dos montes das distâncias...
Em certas manhãs, doiradas pelo sol nascente, a Ria parece toda um espelho onde, apenas, um trémulo de evaporação - ténuo e vibrátil - põe um vestígio de movimento ritmado.
E, então, os malhadais, os montes de sal, os palheiros exíguos e pintados a zarcão, duplicam-se, invertidos nas águas quietas onde , de vez em quando, uma gaivota, maleabilíssima e ágil, raspa uma tangente quase imperceptível.
As pálpebras cerram-se sobre a pupila magoada por esta duplicação da luz que se remira no espelho da água e, no silêncio inundado de sol, o chap chap de uns remos, ou o golpe de uma vara que empurram o barco que desliza, põem uma nota fugidia de onomatopeia."
"Apontamentos para um trabalho sobre a paisagem de Aveiro" de Dr.Frederico de Moura
terça-feira, 20 de maio de 2008
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