sexta-feira, 16 de maio de 2008

Les Nuits

Adoro ouvir contar estórias, e de contar algumas que se passaram ou vão passando comigo.
Acho que aprendi a gostar de Água Castello enquanto ia ouvindo o meu pai e os amigos em longas noites de cavaqueira, eles bebendo uns scotchs e eu, escorropichando o resto das garrafas de água e em silêncio, sem ousar participar das conversas, ouvindo e aprendendo. Em tempos li uma entrevista ao Miguel Sousa Tavares em que ele dizia, por outras palavras, que acordar com a mãe andando pelos corredores da casa ás duas da manhã a declamar poemas não seria uma coisa normal para o comum dos adolescentes. Afortunados aqueles que para além do conforto básico, elementar, lhes é dada a possibilidade de algo mais. Assim, em troca dos meus serviços de barman incipiente, lá ia ouvindo relatos de caçadas ás perdizes nas planuras alentejanas, nas serranias das beiras ou nas fragas doTejo,em que elas "de bico abaixo, pareciam balas",de noites escuras como breu ao candeio na ria, com um olho no peixe e outro nos "marinheiros". Estórias de ventos, de barcos, de cruzeiros da ria, das pessoas e dos seus barcos.
Nortadas rijas e Suladas impiedosas, a transformarem a ria em mar desfeito e a fazerem das travessias prós patos em Monte Farinha ou na Ilha dos Ovos, aventuras merecedoras de serem revisitadas.
Relatos de caça grossa em Angola, estórias de guerra, do encanto de Luanda e das pessoas que por lá se cruzavam. Eu ficava maravilhado com estas noites, autênticos serões da província que alimentavam a minha imaginação e me faziam sonhar.
Falava-se de livros, do Eça, Camilo, Aquilino, Torga e tantos outros, ouvia-se Buarque, Jobim, Brel ou Pink Floyd.
Mas voltava-se sempre á ria, fosse ao errante vôo das narcejas nas praias de junco de Pardilhó ou ás manhãs geladas atrás das Galinholas, de bateira pelos labirínticos canais de Canelas, ou aos duelos entre o "JOÍNHA" e o "ASA NEGRA" na regata da ria.
No fundo, a ria unia, como continua a unir, uma série de pessoas que se separam pontualmente, mas a que todos voltam, quem é da borda d'água raramente deixa de o ser.

3 comentários:

Anónimo disse...

Marco, meu primo+q+primo (não só direito como tb em 4º grau, se ñ estou em erro), verifico no mínimo 2 coisas:

1) que herdaste a veia literária do teu Pai e do Avô Jaime;

2) que não sou só eu que tenho saudades das noites de converseta!

Ao ler o teu texto lembrei-me de uma noitada em Out/80, em que fugi de casa e fui bater-vos à porta. E, por associação de ideias, lembrei-me tb da tua fuga, tb de combóio... mas que 2, heim?! Aliás que 4! Se ñ fossem eles 2, nós ñ teriamos feito o que fizemos. ;P

Quanta saudade espelhada nas tuas palavras! Mas, como não? O contrário é que seria de estranhar!

Um abração!

Anónimo disse...

E se acrescentasses um endereço electrónico? Tenho aqui uma estória, aliás, tantas, mas que ñ cabem aqui...

almagrande disse...

Olá Ani,obrigado pelo elogio.
o meu mail é almagrande@live.com.pt
um abraço