Depois de atravessada a estreita estrada bordejada de pinheiros chega-se a Pardilhó, e num ápice à Ribeira da Aldeia. Faço a curta viagem ainda meio por acordar, com o meu pai ao volante com o cigarro do costume em riste, como vela acesa a um santo qualquer. No final da longa estrada, entramos num amontoado de casas baixas e ruas estreitas que desembocam num largo em que não se vê fronteira entre a água e a terra. Não se sabe onde começa uma e acaba outra, milheirais mais atrevidos, que vão quase beber água à Ria intercalam com juncais mais teimosos que se recusam a ser amanhados pelos homens. Pelo meio, um rendilhado de pequenas valas que se perde quase no centro da povoação. As últimas casas ficam para trás, a estrada sólida termina e começa um outro mundo. Na borda do Esteiro marés de moliço aguardam, homens de roupas quadriculadas vão e vêm da faina, tratam dos barcos e falam ocasionalmente. Entre as bateiras, o "Asa Negra" sempre foi bem-vindo, foi feito ali ao lado no velho barracão, é um filho da terra.
Umas bombadas de gasolina, uns quantos esticões certeiros e o "Evinrude" lá se digna a dar sinal de vida.
Soltam-se as amarras, descalço-me e vou sentar-me à proa, o frio que sinto do convés contrasta com a manhã solarenga e sem ponta de vento.
Não digo palavra enquanto o barco vai ziguezagueando pelo canal que leva à Ria, entre ilhotas de junco, por uma água escura que parece não se mexer. Entramos na Ria, oleosa e lânguida , no meio de uma calmaria total em que o tempo parece que para.
Passamos a Varela, as Quintas , a Torreira onde a Ria se espraia e o Moranzel, com a Pousada debruçada sobre a água. Paramos no "Francês" e, depois das forças retemperadas, a brisa levanta e nós levantamos pano também, o vento mal enche as velas e o barco dengoso mal se mexe. Ao início da tarde a brisa vai crescendo e o barco ganha vida, as escotas acordam e é hora de ele brincar com o vento. O barco é imenso, muito diferente do "meu" Lusito, tudo é grande e pesado. O vento cresce ele vai mostrando, vaidoso, o seu belo bojo cor de lacre.
Bordo a bordo vamos regressando, com a travessia da ponte o vento fica mais de través e o barco aquieta-se, recata-se, volta a ter aquele ar de menino do coro.
Entramos no Esteiro já com o vento pelas costas e depois de uma voltareta que deve figurar dos manuais, aproamos ao vento entre marés de moliço e homens de roupas quadriculadas que iam e vinham da faina, que tratavam dos barcos e falavam ocasionalmente.
7 comentários:
Gostei muito deste texto. Parabéns, Almagrande.
M.
Obrigado M.
Obrigado, Almagrande.Que sudades eu fiquei das minhas paragens no "Francês"!Já não vou por aí há tanto tempo!O Asa Negra, lembro-me perfeitamente desse veleiro a navegar na Ria e atracado no Carregal.Bons tempos esses.
O texto está magnífico, levou-me ao passado, exactamente como eu o recordo!Ao lêr este texto até parece que senti o cheiro da Ria desse tempo!!! Obrigado.
Boas JC, o "Francês" já fechou há uns anos. No seu lugar estão a fazer um mamarracho qualquer em betão.
É isso mesmo... Sente-se o que está escrito...
Gostei muito do texto.
É quase palpável o prazer da viagem.
tou sem palavras ................................................................................"tal pai tal filho"
um abraço
quim
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