sexta-feira, 24 de julho de 2009

"Ria"

Depois de atravessada a estreita estrada bordejada de pinheiros chega-se a Pardilhó, e num ápice à Ribeira da Aldeia. Faço a curta viagem ainda meio por acordar, com o meu pai ao volante com o cigarro do costume em riste, como vela acesa a um santo qualquer. No final da longa estrada, entramos num amontoado de casas baixas e ruas estreitas que desembocam num largo em que não se vê fronteira entre a água e a terra. Não se sabe onde começa uma e acaba outra, milheirais mais atrevidos, que vão quase beber água à Ria intercalam com juncais mais teimosos que se recusam a ser amanhados pelos homens. Pelo meio, um rendilhado de pequenas valas que se perde quase no centro da povoação. As últimas casas ficam para trás, a estrada sólida termina e começa um outro mundo. Na borda do Esteiro marés de moliço aguardam, homens de roupas quadriculadas vão e vêm da faina, tratam dos barcos e falam ocasionalmente. Entre as bateiras, o "Asa Negra" sempre foi bem-vindo, foi feito ali ao lado no velho barracão, é um filho da terra.
Umas bombadas de gasolina, uns quantos esticões certeiros e o "Evinrude" lá se digna a dar sinal de vida.
Soltam-se as amarras, descalço-me e vou sentar-me à proa, o frio que sinto do convés contrasta com a manhã solarenga e sem ponta de vento.
Não digo palavra enquanto o barco vai ziguezagueando pelo canal que leva à Ria, entre ilhotas de junco, por uma água escura que parece não se mexer. Entramos na Ria, oleosa e lânguida , no meio de uma calmaria total em que o tempo parece que para.
Passamos a Varela, as Quintas , a Torreira onde a Ria se espraia e o Moranzel, com a Pousada debruçada sobre a água. Paramos no "Francês" e, depois das forças retemperadas, a brisa levanta e nós levantamos pano também, o vento mal enche as velas e o barco dengoso mal se mexe. Ao início da tarde a brisa vai crescendo e o barco ganha vida, as escotas acordam e é hora de ele brincar com o vento. O barco é imenso, muito diferente do "meu" Lusito, tudo é grande e pesado. O vento cresce ele vai mostrando, vaidoso, o seu belo bojo cor de lacre.
Bordo a bordo vamos regressando, com a travessia da ponte o vento fica mais de través e o barco aquieta-se, recata-se, volta a ter aquele ar de menino do coro.
Entramos no Esteiro já com o vento pelas costas e depois de uma voltareta que deve figurar dos manuais, aproamos ao vento entre marés de moliço e homens de roupas quadriculadas que iam e vinham da faina, que tratavam dos barcos e falavam ocasionalmente.

7 comentários:

M. disse...

Gostei muito deste texto. Parabéns, Almagrande.

M.

almagrande disse...

Obrigado M.

jc disse...

Obrigado, Almagrande.Que sudades eu fiquei das minhas paragens no "Francês"!Já não vou por aí há tanto tempo!O Asa Negra, lembro-me perfeitamente desse veleiro a navegar na Ria e atracado no Carregal.Bons tempos esses.
O texto está magnífico, levou-me ao passado, exactamente como eu o recordo!Ao lêr este texto até parece que senti o cheiro da Ria desse tempo!!! Obrigado.

almagrande disse...

Boas JC, o "Francês" já fechou há uns anos. No seu lugar estão a fazer um mamarracho qualquer em betão.

Laurus nobilis disse...

É isso mesmo... Sente-se o que está escrito...

ACC disse...

Gostei muito do texto.
É quase palpável o prazer da viagem.

PROA disse...

tou sem palavras ................................................................................"tal pai tal filho"

um abraço
quim