quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

"Avieiros"


"Mal entraram no túnel das árvores que enchem as duas margens, apareceu um vento áspero, a sacudir tudo; até assobiava nos troncos e nos ramos. E corria tanto, e assobiava tanto,espantado, quem o espantara?, que as folhas começaram a cair aos cachos, fugindo algumas, juntando-se depois, num torvelinho, indo e regressando num corrupio, que Olinda Carramilo parou de remar e ficou queda no banco, meio tonta, como o Tóino, que já bebera mais de meio garrafão de vinho e ainda não parara de cantar. E num repente, quando o vento garanhão fugiu para a Lezíria à procura das éguas, as folhas que revoluteavam como pintassilgos tontos caíram de chapuz sobre a vala da Casa Branca e deixaram tudo alagado das cores do Outono, um nadinha triste, mas tão sorrateiro, que o Tóino da Vala não se mexeu no fundo do barco. Amarelas, doiradas, vermelhas, quase de fogo, ardidas e ainda ardentes, verdes, cúpricas, verde-cré, verde-montanha, verde-gaio, verde-negro, ocres, castanho-queimado, e vermelhas, acesas, fogaréus a arder, as folhas do arvoredo da vala tombaram, de repente, sobre o corpo do pescador vagabundo e vestiram-no a esmo de todas as cores que havia nesse mês.
Deslumbrada, Olinda Carramilo ergueu os olhos para aquela chuva fantástica que também lhe escorria pelos ombros e engrinaldava a cabeça.
Depois tudo se quedou num grande silêncio, como se as árvores ficassem a ver o que delas fugira com o vento."
Alves Redol in Avieiros
pintura - David Alfaro Siqueiros

2 comentários:

Anónimo disse...

Lindo!Saudades do tempo de liceu,quando Alves Redol fazia parte do programa.
Agora sabe melhor (re)lêr, porque já não é por obrigaçaõ. As voltas que esta vida nos dá!

almagrande disse...

Boas JC, parece-me que passamos todos pelo mesmo.