sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"Tartan"


"A aventura escolhe os intervenientes ao acaso, e a estes não resta outra escolha senão tentar a sobrevivência. Içam-se velas e arreiam-se bandeiras nos mastros que apontam céus sem fronteiras. Não há sistema de navegação por satélite, sondas ou cartas náuticas, mas apenas um motor avariado ligado à vontade de partir.
Mantém-se uma agulha magnética desorientada entre a fluorescência dos velozes golfinhos que se iluminam no âmbar atlântico. A esfera armilar, obsoleta e enferrujada, inveja as imponentes baleias, que teimam em dominar todos os pontos cardeais do reino verde-esmeralda. O velho sextante, reformado dentro de uma gaveta, já não acompanha o ritmo de um comum rádio transístor que se intromete, com «engenho e arte», entre a família dos instrumentos de navegação.


As antigas naus deixam as águas à mercê de um veleiro que tenta descobrir o norte, escapando entre os novos piratas que ainda assombram as mais frágeis embarcações. Os velhos marinheiros , agora sepultados em livros de História no capítulo dos Descobrimentos, partilham em silêncio a aventura de seis jovens que fogem rumo ao desconhecido, entregues aos mesmos caprichos do vento e das correntes, com o mesmo medo de morte e com a mesma ânsia de vida.
Há apenas uma indecifrável nova terra à vista a entrar pela proa do tempo e, contudo, na azáfama das manobras a bordo de um tempo presente, não há tempo para afundar o pensamento no futuro.


Por fim , recupera-se o passado encalhado no cais de partida.
Lança-se a âncora às palavras, aos sons, aos cheiros, aos sabores e às imagens, amarrando-se o olhar à popa do tempo. Com todos os sentidos alertas, de norte para sul, no cais de chegada, revisita-se o diário de tinta permanente invadido pelas vagas, e a aguarela ganha novas cores num imenso universo de memórias. A viagem acaba por fundear neste quadro, depois de se evadir da paleta, numa revolução de cores oferecidas à tela. É aí que se atracam todas as metáforas, entre a terra dos sonhos e dos pesadelos."
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Excerto de "Tartan"- As velas da liberdade, por Nuno e Pedro Silveira Ramos
Fotografias de Alan Villiers

4 comentários:

Laurus nobilis disse...

Não conhecia. Por acaso, existe alguma reedição que conheça?

almagrande disse...

Boas Laurus, o livro é muito recente e deve-o encontrar em qualquer livraria. Do que li até agora, estou a gostar bastante.

Laurus nobilis disse...

Como tinha fotografias do Villiers, pensei que fosse antigo. Obrigado.

jc disse...

Eu também o estou a lêr e está-me a surpreender agradávelmente!