quinta-feira, 2 de setembro de 2010

"Por todos os mares"


"Nenhum homem se tornará um marinheiro se não tiver a força de vontade necessária para se meter numa prisão; porque estar a bordo é estar numa prisão, com a possibilidade de ser afogado(...). Um homem numa prisão tem mais espaço, melhor comida e frequentemente melhor companhia."
Samuel Johnson (1709-1784) sugeria assim o quotidiano o marinheiro no século XVIII. Passados 200 anos, a sua afirmação continua muito actual. Mas o que levará o homem de hoje a voluntariar-se a tais condições?
O homem sempre enfrentou desafios, mas como se não lhe chegassem os desafios naturais, alguns homens criaram outro tipo de desafios a si próprios. A Whitbread é, naturalmente, um desafio. Pelo simples facto de contornar o planeta azul ser um desafio tenaz. Estes homens decidiram fazê-lo através do Southern Ocean - o rei de todos os oceanos.
Partindo de Inglaterra, descendo o Atlântico, contornando o continente Antárctico e regressando ao ponto de partida após dobrar o cabo Horn, estes marinheiros do século XX continuam a desbravar as zonas mais inóspitas do nosso mundo. Porque, embora os meios tecnológicos tenham evoluído, o mar continua tão devastador como outrora.
No dia 2 de Setembro de 1989 vivi o dia mais emocionante dos meus 28 anos de idade - a partida da quinta edição da Whitbread Race. Passados 34 dias voltavam a correr-me lágrimas de comoção ao vencer a primeira etapa por uma margem de 76 minutos!
No dia 25 de Fevereiro de 1990 era-me cravada na orelha esquerda uma argola de ouro. Estava num dos lugares mais insólitos e respeitados pelos marinheiros - ao largo do cabo Horn, cruzando do oceano Pacífico para o Atlântico.
A 27 de Maio cruzava vitoriosamente a linha de chegada em Inglaterra, conquistando assim o cobiçado Troféu Whitbread.
Mas, voltando à questão inicial -o que nos leva a enfrentar estes desafios? Por que renunciamos à família, ao futuro, ao emprego, à terra firme?
Deixar como memória da nossa passagem pelo mundo um traço ao redor do planeta. Mesmo que essa esteira demore meses para concluir e cada um dos seus troços não dure mais do que breves instantes?
Excerto do prefácio de João Cabeçadas ao livro Por todos os mares, de Nysse Arruda

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