quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

"Bons Ventos"



E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Componde fora de mim a minha vida interior!
Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens,
Chaminés de vapores, hélices, gáveas, flâmulas,
Galdropes, escotilhas, caldeiras, coletores, válvulas;
Caí por mim dentro em montão, em monte,
Como o conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão!
Sede vós o tesouro da minha avareza febril,
Sede vós os frutos da árvore da minha imaginação,
Tema de cantos meus, sangue nas veias da minha inteligência,
Vosso seja o laço que me une ao exterior pela estética,
Fornecei-me metáforas imagens, literatura,
Porque em real verdade, a sério, literalmente,
Minhas sensações são um barco de quilha pro ar,
Minha imaginação uma ancora meio submersa,
Minha ânsia um remo partido,
E a tessitura dos meus nervos uma rede a secar na praia!

Excerto da Ode Marítima de Álvaro de Campos

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

"Navegar é preciso"


Boas Festas e que o próximo ano seja pródigo em grandes dias passados a bordo, de grandes ou pequenos, amadeirados, plastificados ou até oxidados. Com ou sem cozinha e adega, mais ou menos bonitos e performantes, o fundamental para a maioria que faz vela é estar lá, na água.
Bons Ventos.

sábado, 19 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

"Yachtmen"



"Um marinheiro, para o profano, é aquele a quem a profissão obriga a viver no mar. Erro! Erro crasso! Um marinheiro é aquele a quem o seu gosto faz viver com o mar. Só os que navegam por prazer estão neste caso. Sempre.
Desprezados pelos seus colegas das outras marinhas? Claro! Mas os operários desprezam os «sonhadores» e, no entanto, os «sonhadores» transformam mais a humanidade que o mais hábil artesão.
Os marinheiros da quarta marinha não devem, aliás, inquietar-se com o que se pensa deles. Quis uma fatalidade que ainda mal acabada de nascer (a navegação de recreio conta, em decénios, o que as outras contam em séculos), recebesse a mais esmagadora herança, que conserva sózinha: a civilização milenária da vela, a frequência do mar «rasando a água»."

Eric de Bisschop

domingo, 13 de dezembro de 2009

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

"Ribeira da Aldeia"


Sempre que posso gosto de passar pela Ribeira da Aldeia, fica-me perto de casa e do local de trabalho. Muitas vezes saio do trabalho e vou até lá, tenho a Ria ali ao lado e o estaleiro dos Mestres carpinteiros que me fizeram o Almagrande, sou a terceira geração pra quem eles construiram barcos. É um oásis de calmaria, um sítio que parece ter parado no tempo e, para além da admiração que tenho por eles como profissionais, há uma amizade que me faz passar por lá a vê-los, a saber se estão rijos e às vezes conversar um bocado.
Sempre têm pachorra para ir respondendo às minhas perguntas, sejam elas relacionadas com a construção naval, com estórias de barcos e homens que foram passando por lá ou até dos seus próprios percursos de vida. Por vezes não há conversa, só trabalho, e fico por ali a observá-los em silêncio, um silêncio quebrado apenas pelo assobio do Mestre Zé que mais parece o vento Norte a entrar por uma frincha do esburacado armazém.
Hoje a tarde estava bonita e pensei em fazer-lhes a visita habitual mas ao chegar dei com o estaleiro fechado, voltei para trás e parei no centro para um café, afixado na parede da entrada um papelucho anunciava a morte do Mestre Diniz.
Morreu com 84 anos, uma vida dedicada aos barcos, primeiro aos moliceiros e bateiras e depois a outros de utilização mais desportiva ou de lazer.
Vou ter saudades dele mas como me dizia hoje o Mestre Zé, com a voz embargada por sessenta anos de vivências em conjunto, "É assim a vida...".

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

"Vouguices"



Saudades da água, saudades do mar. O barco espera melhores dias, vai esperando e juntando pó no costado. Passa-se a semana a pensar num fim-de-semana soalheiro que dê para dois ou três bordos a arejar os paneiros e a desempoeirar os bolores dos panos e não há meio..
Os passeios pela beira da Ria matam algumas saudades, mas não as da bolina mansa em que ele, risonho, risca a água num silêncio que os Vouguistas conhecem. Os Vouguistas e os outros, fundamendalismos à parte, navegar na ria é especial.
A Ria é temperamental e pouco complacente com quem não a conhece.
Diferenças à parte, não deixem morrer este barco fantástico.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

"Kon-Tiki"

"Decorreram semanas. Não vimos sinal algum nem de navio nem de qualquer outra coisa que vogasse, para nos mostrar que havia mais gente no Mundo. O oceano inteiro pertencia-nos e, com todas as portas do horizonte abertas, uma paz real e a verdadeira liberdade desceram do firmamento sobre nós. Era como se o gosto fresco de sal que havia no ar e a imensa pureza azul que nos rodeava nos tivesse lavado o corpo e purificado a alma. A nós, sobre aquela jangada, os grandes problemas do homem civilizado afiguravam-se falsos e ilusórios, meros produtos pervertidos do espírito humano. Só os elementos se revestiam de importância. E os elementos pareciam não fazer caso da pequena jangada. Ou talvez a estivessem aceitando como um objecto natural que não quebrava a harmonia do mar, mas que se adaptava à corrente e ao oceano como a ave e o peixe. Em vez de se mostrarem um inimigo temível, investindo comnosco a espumar, os elementos haviam-se tornado num amigo fiel que, com firmeza e segurança nos ajudava a avançar. Enquanto o vento e as ondas empurravam e impeliam, a corrente oceânica permanecia debaixo de nós e puxava-nos sempre para o rumo da nossa meta."

Thor Heyerdahl in A expedição da Kon-Tiki

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

"Pátria"

Soube a definição na minha infância,
Mas perdi a memória
Das coisas que só tinham importância
Ditas a palmatória.
Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar.
.
Miguel Torga