Este frio, este frio que de repente chegou sem que o suspeitassemos às nossas vidas - outono havias de vir, minha querida Irene, tu que antes de todos o adivinhaste sibilando pelas frinchas dos teus olhos - este frio oceânico que arrepia os gatos e enovela os cães é-me agradável por tudo quanto aporta à minha vida: a cor dos diospiros e das romãs que revejo à noite na lenha que de novo arde, o cheiro das maçãs e do bagaço que espreita a voz dos alambiques proibidos, as derradeiras rosas e os últimos figos, as folhas, a química das folhas, das videiras ou dos plátanos, da trepadeira que forra a parede da velha casa; este frio, este frio que de repente chegou e que se dilui nas chamas que contemplo e me bailam na alma onde o mar está chão, que enquanto caminho me fustiga o rosto, é-me agradável. Estão nus os giestais há muito esquecidos de Maio e enquanto as cadelas buscam aromas de perdizes nos refúgios que o verão lhes deixou, eu caminho serra fora. Sabem dos meus passos os arroios e os montes. Ninguém mais. Mas se o frio que agita os rosmaninhos ou os bugalhos dos carvalhos me recordarem o teu nome então eu o amaldiçoarei pelos rasgões que me faz e desejarei o doce tempo de verão em que jamais fui feliz.
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Sérgio Paulo Silva in Poemas de Amor e Não
2 comentários:
Eu tenho um exemplar desse livro.
Essa é que é essa....
Boas Comandante, gostei especialmente deste texto.
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