quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Sagres"


"Não podiamos dar Erasmos, nem Leonardos, nem Luteros, nem Galileus. Mas podiamos dar esforço, energia, heroicidade, ferocidade, curiosidade e obstinação. E, num mergulho de alcatraz, atirámo-nos daquelas rochas brancas ao abismo azul da quimera. E descobrimo-nos.




Encontrámo-nos universais em toda a parte do globo, mas, sobretudo, dentro da nossa inquietação de bípedes totais. Não éramos apenas da Vidigueira, de Belmonte ou da Covilhã. Éramos daí e também da certeza de que o mundo era redondo e que todos os caminhos iam dar à única verdade que se podia ver claramente vista: o homem e o seu meio.




Depois... os outros, na Europa, não descansaram mais. Continuaram a mergulhar, a remar e a descobrir. Nós, enxutos e vaidosos da façanha, ficámos em cima da fralda a ver passar ao longe as caravelas alheias. A cantar o fado melancólico da fatalidade, e a contar e a recontar de todas as maneiras o feito glorioso.



Secámos a nascente ao primeiro trago. E do ímpeto de energia no seio do Tormentoso fizemos o cemitério da renúncia colectiva de um povo. Os ossos, gemidos, e os fogos fátuos da saudade..."

Miguel Torga
Fotografias de Artur Pastor

2 comentários:

ACC disse...

Pena que estas mensagens passem ao lado de uma "bola ao poste" dum Cristiano qualquer...

Laurus nobilis disse...

São ambos muito bons...