terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

"Viúvas de Vivos"






"Iria, embora a alma lhe presagiasse más coisas. Não queria que a mulher o julgasse poltrão e que, no caso de algum companheiro enriquecer, ela tivesse que invejar, por sua culpa. O destino mandava? Pois que se cumprisse.
E lá se resolveu.
Com ele, iam todos os companheiros daquela aventura de resgate. Nem uma só lágrima pelas suas faces tisnadas. A palidez de todos vincava-a inda mais a luz mortiça dum candeeiro de petróleo que espalhava um cheiro acre que se misturava à maresia e às emanações da moira do velho barco. João Frade, de cachimbo fumegante, ordenava as manobras. Um moço distribuiu café e aguardente, por causa do frio. Quando iam já bastante afastados da barra, o Tarolho pôs-se a cantar e a dedilhar a guitarra. Um fado triste. O barco baloiçava, mas corria veloz para o desconhecido, na esteira de tantos outros.
O Inácio foi até à amurada. Ia-se sumindo a luz do farol lá ao longe, num aceno. Mas o barco, de velas pandas, cortava as ondas que escumavam, na quilha, como de raiva. Já não via o farol: tinha-se cortado todo o contacto com a terra, a sua terra. Foi então que sentiu a consumação de todo o seu drama, o desabar de todos os sonhos que ia substituir por outro, maior na verdade, mas tão vago e incerto que talvez bastasse um um ligeiro sopro do destino para o desfazer, como a viragem fazia ao fumo do seu cigarro."
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Joaquim Lagoeiro in Viúvas de Vivos
Fotografias de John Collier, tiradas entre pescadores Portugueses emigrados nos E.U.A. - 1942

1 comentário:

António Carvalho disse...

Em tão poucas palavras, o tanto que se sente.