"Platt. Nunca cheguei a falá-lo com desenvoltura, mas encantava-me ouvi-lo quando o velho Kurt o fazia com os camaroeiros de Lizt. Perguntava-lhes pelos seus barcos, pelo humor imprevisível do mar, pelos perigos que espreitavam nas águas frias da Gronelândia e que aqueles homens esconjuravam com risos estentóreos e uns bons goles de cerveja.
O velho Kurt amava tudo o que se relacionava com o mar.
Sempre quisera ser marinheiro, não da Marinha de Guerra mas da outra, a dos nostálgicos capitães que bebiam uns copos em Hamburgo, nos bares próximos das casas de marinheiros de Landungsbrücken. Aí se fumavam todos os tabacos do mundo; ao aroma picante do bom cavendish juntava-se o do rum, o da cerveja e o das batatas com mel oferecidas gratuitamente aos fregueses. Os velhos capitães falavam batendo nas mesas para enfatizar os seus «que o diabo leve pelos fundilhos todos esses filhos da puta que puseram os navios com bandeiras de conveniência».
Então o velho Kurt batia também na mesa, gritava o noch'ne com o qual oferecia mais uma rodada aos marinheiros, pois já os predispusera a contar as suas aventuras por todos os mares. E ao aroma de tabaco, rum, cerveja e batatas, juntavam-se os aromas das tempestades, dos naufrágios, das noites de vigia na solidão da ponte enquanto atravessavam o Atlântico ou o temível Cabo Horn, até que algum dos velhos navegantes soltava uma gargalhada antes de dizer: «tudo isso é muito bonito e muito iteressante, mas eu nas Malvinas dei uma voltinha com uma senhora kelper respeitosamente casada com um senhor kelper e posso jurar que fazia uma óptima tarte de abóbora»."
...
"Desse tipo de marinheiro quis ser o velho Kurt, mas avida atravessou-se-lhe por diante e ele conformou-se em ler Conrad, Melville, Stevenson, a amar fervorosamente Magroll, o gajeiro a personagem de Álvaro Mutis a que chamava seu grande amigo quando falava com outros navegantes na sua casa sempre aberta à gente do mar. Eu também sentia o eco da sua voz, mas os meus ouvidos só estavam atentos às palavras de Silke. Tinha o hábito de falar olhando-me fixamente nos olhos e eu estremecia com a certeza do naufrágio inevitável no mar azul e profundo das suas pupilas."
Luis Sepúlveda in A Lâmpada de Aladino
Contribuição de Sérgio Paulo Silva
1 comentário:
O Luis Sepulveda é um dos autores da mesinha de cabeceira,juntamente com o Kerouak.
Mas este não conhecia...
Vou procurar.
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