quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"Les Nuits"


Chego a casa e a noite fria faz-me pôr mais dois ou três cavacos no borralho que se esvai. Atiço o lume e penso no fim inglório da árvore que vai entregando a alma ao criador.
Ela crepita, protesta, como se tivesse alguma coisa para dizer, até se resignar numa chama tão calma como foi a sua existência. Este carvalho, e os irmãos que bordejam um caminho fresco junto ao rio que passa cá por casa, sempre foram admirados e respeitados pelo porte, pela idade, pela nobreza e pelo gesto bonito de se passar à próxima geração um bonsai com cem ou duzentos anos.
Este, menos afortunado, nasceu e cresceu de braço dado com o rio, que o alimentava por um lado, que lhe matava a sede quando todo o resto já amarelava, mas que no seu lento processo erosivo, ia-lhe ditando o fim.
Como que atraiçoado pelo amigo de sempre, tombou de maduro e no seu lugar ficou um buraco centenário e a tristeza de ver um colosso destes vergar-se.
Na herdade do Mouchão, há dois tonéis mágicos que, aliados à mestria humana, fazem vinhos improváveis, madeiras exóticas a dar carácter a vinhos nacionais. Árvores provenientes sabe-se lá de onde, continuam a dar uma complexidade a um dos nossos embaixadores.
Não foi em vão que cairam, estão vivas.
Cada vez que olho para o barquinho, para o tabalho que está lá feito, mais respeito os artesãos que perpétuam o sonho dos homens, e já agora, o das árvores, se é que têm um.

1 comentário:

h ventura disse...

Belo texto. Embora o tema seja a queda de uma árvore centenária. Fica a ideia de que a árvore pode viver para além da sua existencia verdejante. Portanto pergunto: será que resta alguma dessa madeira mesmo que seja um bocadito aparentemente insignificante, para adornar ou compôr um elemento ou pormenor de um Vouga em construção?
Um bom ano em 2012!